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quinta-feira , 28 março 2024

Temperatura e Umidade afetam o desempenho de um sistema de sonorização?

Acompanhando  variações climáticas tenho visto que um tema recorrente é o quanto a temperatura e a umidade afetam o desempenho de um sistema de sonorização ambiente. O que muda da otimização até o final do evento?

Tudo começou a mudar com a chegada dos RTA’s e equalizadores, continuando com a criação dos TDS (Time Delay Spectrometry). Atualmente temos ferramentas de medição que funcionam como microscópios, mostrando numa escala minúscula o que acontece com o som no ambiente. O importante é avaliar se tudo o que vemos e alteramos é o que, realmente, ouvimos e percebemos.

A Umidade

Em lugares mais secos há menor retenção de calor na atmosfera, o que resulta no aumento da pressão atmosférica. Os desertos são bons exemplos de lugares secos, onde há muito calor durante o dia e muito frio a noite. Já em lugares mais úmidos ha maior retenção de calor, em função do vapor de água, e menor pressão atmosférica. Nesses lugares há menor variação de temperatura entre o dia e a noite. A região amazônica, por exemplo, é muito úmida e daí a quantidade elevada de chuvas.

A umidade relativa do ar se refere a quantidade de vapor de água presente. 0% significa que não há vapor de água no ar e 100% significa que já está em saturação, pela quantidade máxima de vapor de água.

Baixas umidades afetam diretamente a nossa saúde, mas aqui vamos focar nos efeitos da temperatura e umidade na sonorização de ambientes.

O Som

O que é som? Basicamente são vibrações das particulas do ar, entre 20 e 20.000Hz, com amplitude entre 0 e 130dB SPL. Para se propagar o som necessita de um meio que seja sólido, líquido ou gasoso. A partir da fonte o som gasta uma certa quantidade de tempo para chegar até nossos sistemas auditivos. Quanto maior for a distância entre o ouvinte e a fonte sonora, maior será o tempo gasto para se perceber o som.

Alem da distância, outras variáveis que podem afetar este tempo de chegada do som é a velocidade, pressão barométrica, umidade relativa, altitude e densidade. A velocidade do som é, diretamente, afetada pela temperatura e a umidade relativa do ar.

A Temperatura

Percentualmente a temperatura tem maior efeito sobre a velocidade do som que a umidade relativa. Já a umidade tem maior efeito sobre a absorção das altas e médias frequências com o incremento das distâncias entre ouvinte e fonte sonora.

Quanto maior a temperatura, menor a densidade (moléculas mais expandidas) e maior a velocidade do som.

Quanto maior a umidade, maior a densidade (moléculas mais comprimidas) e, consequentemente, menor a velocidade do som.

Analogicamente, basta imaginarmos dois recipientes de igual tamanho, porem, um cheio de bolas de gude e outro com a mesma quantidade de balões cheios de ar. Ao tocarmos um balão ele rapidamente encostará no vizinho que encostará no outro e assim por diante, ou seja, a velocidade de propagação será alta. As bolas de gude estarão mais distantes entre si e tocarão as próximas com menor velocidade, portanto o resultado será uma menor velocidade de propagação.

A Lei do Inverso do Quadrado da Distância nos diz que ao dobrarmos a distância de uma fonte pontual, de dispersão esférica, a pressão sonora cairá 6dB em relação ao ponto anterior. Assim, se medirmos a pressão sonora a 10m de uma fonte de áudio e efetuarmos a medição a 20m, desta mesma fonte, teremos um resultado 6dB menor. Se medirmos a 40m teremos 12dB a menos de pressão, em relação aos 10m iniciais.

Mas será que o único efeito na perda de transmissão do som é a redução da pressão sonora?

No caso do som, a velocidade de propagação é a mesma para todas as frequências. O que muda é a dissipação de energia em cada região de frequências em função da dissipação de energia (calor). Quanto maior a frequência maior o número de ciclos por segundo e maior a agitação das moléculas. O resultado é maior dissipação de energia e menor distância na propagação. Isto se deve ao fato do meio de transmissão, no caso o ar, não ser linear.

Também explica porque quanto mais distante da fonte sonora menos percebemos os agudos e, se aumentarmos a distância, menos médios também.

Ao se aproximar de um parque de exposições, onde esteja acontecendo um show, percebe-se as baixas frequências e quanto mais perto do palco mais percebemos os médios e mais perto ainda os agudos. Esta perda com a distância é algo natural no som. Estamos acostumados com esta variação nos sons naturais (sem amplificação), inclusive para nos dar certa noção de qual distância estamos da fonte sonora.

Imaginemos uma pessoa tocando um violão em uma praça. Como soará este violão caso nos afastemos deste músico? Será que a 5, 10, 20 ou 40 metros teremos a mesma percepção de sonoridade deste violão, caindo apenas a sensação de volume (pressão sonora)? Certamente perceberemos uma variação no seu espéctro de frequências.

O que aconteceria com a pressão sonora e resposta em frequência pela distância, se utilizássemos um sistema de amplificação para este violão?

E se no lugar de uma praça estivéssemos em um teatro ou igreja. Será que o último ouvinte deve ouvir a mesma resposta em frequência de quem está na primeira fileira de cadeiras?

As dimensões do ambiente podem nos orientar neste sentido. Ambientes menores sofrem menos os efeitos da variação da umidade e mais os efeitos da variação da temperatura. O resultado acústico do afastamento do ouvinte em relação a fonte sonora, é análogo ao uso de um filtro LPF (Low Pass Filter) ou Hi-Cut Filter, em um programa de áudio. Quanto mais distante mais baixa é a frequência de corte do filtro.

Porem, quanto maior a umidade relativa do ar, para uma mesma temperatura, menores os efeitos desta queda. Neste caso as médias e altas frequências alcançarão distâncias maiores. É como se subíssemos a frequência de corte deste LPF.

A tabela 1.0 nos mostra o percentual de incremento na velocidade do som em função da variação da temperatura e umidade relativa do ar, referenciado a 0ºC.

tabela umidade
Tabela 01 – Percentual de aumento na velocidade do som pela temperatura e umidade – Por Dennis A. Bohn.

 

Quanto mais quente e úmido maior é a velocidade do som.

Os maiores efeitos da umidade relativa na absorção estão entre 10 e 40%. Outro efeito importante é o redirecionamento vertical da dispersão do som, algo pouco observado no dia a dia dos técnicos de sistemas. O óbvio: Ao perdermos líquido sentimos sede, basta repormos líquidos. Ao perdermos energia sentimos fome, basta comermos. Ao ficarmos sem dormir sentimos sono, basta dormir. Se o efeito são as perdas de transmissão acústica, a solução é o uso de transmissores acústicos (caixas acústicas).  A solução está no que se perdeu.

É comum utilizarmos sistemas de reforço sonoro, também conhecidos como torres de delay (torres de atraso), para aumentarmos a área alcançada pelo sistema de sonorização. Como deveriam ser ajustados estes reforços? Seria apenas ajuste no tempo, ou na equalização também? Se formos corrigir a equalização, como deveria ser o resultado em relação a resposta do sistema principal?

Se o local a ser sonorizado for um ambiente fechado e possuir ar condicionado, que será usado na hora do evento, será que faria diferença deixá-lo ligado durante a otimização do sistema?

Outros efeitos também podem ocorrer, alem das perdas na transmissão referentes a longas distâncias. Imagine um sistema de sonorização que sofra reflexões nas paredes, piso e/ou teto. A mudança de temperatura afetaria a velocidade do som e, por consequência, os tempos de chegada do som direto e refletido nos ouvintes. Isso mudará a resposta em frequência deste sistema em cada ponto do ambiente, podendo ocasionar grandes perdas em determinadas frequências.

Imagine um determinado ouvinte que esteja a 20m da fonte de som e a 35m do som refletido em uma das superfícies do ambiente. Considerando a frequência de 10kHz, temperatura de 21ºC e umidade relativa de 30%, teremos:

calculo

Observem que a diferença de ciclos não inteiros do som direto (20m) e do som refletido (35m) é de apenas 0,05% (0,44 – 0,39). Isto da uma diferença de 18º em relação a um ciclo da onda. Isto resulta numa soma de quase 6dB.

Se a temperatura cair de 21ºC para 19ºC, teremos uma diferença de ciclo não inteiro de 43%. Isto da uma diferença de 154,8º, quase um cancelamento total.

Podemos observar em salas pequenas, em torno de , que é o caso de muitas igrejas, auditórios, bares e locais de shows e eventos, que os efeitos da umidade afetam pouco a absorção, porem a variação da temperatura pode gerar efeitos muito consideráveis em função dos cancelamentos ocasionados pelas reflexões. Neste caso, o ideal é manter constante a temperatura, quando possível, alem de utilizar caixas acústicas com alto índice de diretividade e acondicionamento acústico no ambiente para reduzir as reflexões.

Abaixo três gráficos que demonstram os efeitos da absorção do som em função das distâncias, temperatura ambiente e variações da umidade relativa do ar. Gráficos: Fonte Meyer Sound.

Gráfico 01 – 10ºC a 100m de distância da fonte sonora
Gráfico 01 – 10ºC a 100m de distância da fonte sonora
Gráfico 02 – 20ºC a 100m de distância da fonte sonora
Gráfico 02 – 20ºC a 100m de distância da fonte sonora
Gráfico 03 – 30ºC a 100m de distância da fonte sonora
Gráfico 03 – 30ºC a 100m de distância da fonte sonora

 

Baixa umidade e alta temperatura: mais absorção
Alta umidade e grande variação de temperatura: pouca variação na absorção

O interessante que a muitos anos a BSS lançou o Omnidrive 388, que está descontinuado, e que possuia diversos recursos muito interessantes para compensação do delay e equalização, entre eles a correção automática do valor da temperatura ambiente, através de uma ponta de prova metereológica que ficava exposta ao tempo, indo de -20ºC a +50ºC. Ajuste da umidade relativa de 0 a 100%. Chave seletora de correção automática do delay e correção automática das altas frequências, em função da absorção pelo ar.

Mas fica uma pergunta: Porque outros fabricantes e a própripa BSS não utilizaram este recurso em outros equipamentos?

Muitas são as dúvidas e esta é só a ponta do iceberg.

Opa! Iceberg? Vixi!! É frio a beça!!!!

Um abraço e até a próxima.

Sobre Denio Costa

Denio Costa é diretor da empresa de projetos DGC Áudio, Vídeo e Acústica e da escola de audio: Núcleo de Formação Profissional - NFP. Elabora projetos e presta serviço de otimização de sistemas de áudio. Consultor da Attack do Brasil. www.dgcaudio.com.br deniocosta@dgcaudio.com.br projetos@dgcaudio.com.br

Confira também

Compressão de potência – Parte 2

Continuamos com a segunda parte do post, se você não viu a primeira CLIQUE AQUI

4 comentários

  1. Wesley Silva Novaes

    Excelente artigo do mestre Denio Costa. Aqui pode estar a explicação pra muitas perguntas que você ja fez sobre seu som um dia estar bom e no outro não. Isso pode sim ser um agravante

  2. Como citou a BSS, lembrei que existe a função Delay Correction onde podemos selecionar a temperatura ambiente no Processador da Behringer DCX-2496, podemos confiar nesta função em uma operação onde podemos ter grandes variações de temperatura ou no caso de uma locadora que sempre trabalha em um ambiente diferente? Parabéns Pelo artigo Professor!

    • Thales, este parâmetro é uma variável dentro do algorítmo, alterando o resultado de um cálculo. Para os efeitos da variação de temperatura ele funciona. É importante ajustá-lo no momento da otimização, para evitar erros ao variá-lo durante o evento. Se na otimização a temperatura estiver em 30 graus mas esta variável ficar em 20 graus, que é o default, e durante o evento a temperatura cair para 21graus, seu ajuste será de apenas um grau e não de 9 graus que seria o correto. Ele não atua nos efeitos da umidade. Muito obrigado!

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