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sábado , 5 outubro 2024

Cuidando do Palco (Turnê “ Carbono ” Lenine)

O projeto de som da turnê Carbono foi criado para casar técnica com a sonoridade do show, este texto descreve os problemas e soluções enfrentados.

Meu nome é Henrique Vilhena e eu trabalho com Lenine desde a turnê Chão. Entrei pra Gig em Set de 2012 para dar continuidade ao trabalho que vinha sendo feito pelo competente Dominique Chalhoub.

Antes de ingressar na estrada com diversos artistas, trabalhei em estúdio e fazendo gravações ao vivo em situação de show durante 2 anos. O projeto para a turnê Carbono tem muita relação com as necessidades do show novo do Lenine mas as soluções estão muito relacionadas com a minha vivência de gravações ao vivo.

 

Vazamentos:

primeiramente vamos falar dos vazamentos e da relação direta que eles têm com a qualidade do nosso som final; aquele que vai para o monitor dos músicos e para o público no PA.

Amplificadores de guitarra e baixo, bateria e monitores muito altos influenciam diretamente na fase do que está microfonado. Passamos a ter muitos problemas de fase que vão influenciar diretamente no som dos instrumentos. Quando os vazamentos passam a ter um volume aproximado ao da microfonação próxima, provocam cancelamentos de frequências e uma diminuição considerável da qualidade geral do som dos instrumentos. O volume alto no palco vai influenciar fortemente nos outros microfones e no som do próprio instrumento (que tende a piorar muito). Então, ter um timbre lindo de bateria, de guitarra ou de baixo ou mesmo de voz e muito vazamento destes nos outros instrumentos tem como resultante uma diminuição na qualidade dos próprios. Ou seja, um lindo timbre de guitarra ou de bateria com volume muito alto, tem grande influencia nos outros microfones o que vai resultar numa deterioração do instrumento em questão, seja ele qual for.

Pensando em fase e atraso: 

este artigo aqui do audio repórter explica bem: https://audioreporter.com.br/dicas/conceitos-basicos-sobre-fase/

Pensando em eixo de captação dos microfones:

O eixo de captação em todos os microfones é essencial pra termos um melhor resultado sonoro bem como para evitar vazamentos. Deslocar os instrumentos e amplificadores para fora do eixo de captação de outros microfones (principalmente aqueles dinâmicos em que usamos mais ganho, os condensadores ou ominidirecionais) é essencial para uma diminuição dos vazamentos indesejados. Ao fazer o mapa de palco é necessário pensar para onde está sendo direcionada a energia sonora de cada instrumento, que microfones estão à frente destes instrumentos e se há algo que você possa fazer para diminuir algum vazamento indesejado. É também imprescindível entender a figura de captação de cada microfone e a forma com que cada um se comporta para atender melhor as necessidades sonoras do que você pretende captar, levando em consideração a formação do grupo (ex: proximidade de instrumentos com pouco e muito ganho), o mapa de palco, a pegada do músico e emissão do cantor (ex: um cantor que emite pouco usando um microfone condensador cardióide, com uma banda de rock tocando atrás dele vai certamente te trazer problemas, tanto no PA quanto no monitor).

Vamos a um exemplo bem corriqueiro em muitas formações de banda: o cantor está no centro do palco com a bateria logo atrás dele, a voz é naturalmente o elemento mais alto na mixagem do PA e provavelmente está alta nos monitores dos músicos também (estejam eles de fone ou monitor de chão). Naturalmente o vazamento de caixa e pratos na voz que está logo à frente da bateria é grande, tendo em vista que ela está relativamente alta nos monitores dos músicos e no PA. Como este microfone de voz está influenciando no som da bateria? (Não é o meu caso no Lenine, este é um exemplo extremo)

Está certamente adicionando um reverb com som do local, pela distância do cantor em relação a bateria (fora o reverb analógico ou digital da própria voz que os técnicos de PA e monitor estão colocando) e também ocasionando muitos problemas de fase com os microfones de bateria. 1 microfone de voz está estragando os seus 8, 10 ou 16 microfones de bateria. Seus pratos ficam ásperos, sua caixa fica distante e o kick do bumbo não aparece direito. No PA e nos fones dos músicos a bateria está distante, parece que tem muito reverb, mas não é o caso. O som dela fica mudando o tempo todo, porque a medida que o cantor muda de lugar ou mesmo fica parado no pedestal se aproximando e se distanciando do microfone de voz, produz uma relação diferente entre o vazamento no microfone de voz e a microfonação da própria bateria.

Pensemos também nos microfones de outros músicos fazendo backing. Por ex. o baixista, que naturalmente deve estar mais próximo do baterista; para o PA o vazamento da bateria neste no microfone de voz dele não está fazendo muita diferença mas no monitor do músico está. No caso do Lenine, o Guila está usando um ear fone. Provavelmente a voz dele está alta na mixagem, o que ocasiona um problema de fase com a bateria e deixa o monitor exposto a uma outra variável: o tamanho do palco. Com palco grande os vazamentos de bateria no microfone de voz dele certamente vão ser menores. Em um palco menor, ele precisará do mesmo volume de voz para cantar bem, mas com isso ouvirá muito mais bateria; a mix vai mudar de acordo com o local e de forma drástica.

palco lenine

                                                                                                                                                          (Foto Flora Pimentel)

Quais são as nossas opções para solucionar este problema?

  • Ter um baterista que toque muito suavemente: desta forma a presença dele no microfone de voz será bem reduzida o que nos traz uma limpeza e diminui muito a relação problemática de fase. O volume do vazamento é muito menor do que o da microfonação próxima (não é o caso do Lenine, Pantico Rocha toca com pegada roqueira e o som pop do artista pede isso).
  • Deslocar a bateria para um dos cantos do palco é uma opção; diminui a relação de vazamentos e melhora consideravelmente a fase. No entanto, não resolve efetivamente o problema porque em cada palco teremos um tipo de relação, estamos na mão do ambiente. Em medida menor, ainda teremos a bateria soando no microfone de voz e a relação entre sinal da voz e vazamento da bateria vai depender da pegada do baterista e da emissão do cantor. Ainda devemos considerar que em algumas situações o palco não será o ideal e os músicos vão ficar muito próximos uns dos outros.
  •  Colocar um acrílico na frente da bateria para diminuir drasticamente a relação sinal ruído. Os fabricantes estimam reduções de 15dB

O que fizemos no Carbono:

Como usamos fones in ear no Lenine, optamos pelas duas últimas soluções combinadas. Colocamos um acrílico e deslocamos a bateria para a extremidade direita do palco. O som da bateria ficou muito mais limpo e apesar das poucas reflexões do acrílico, o resultado foi excelente; os músicos passaram a ouvir a bateria sem o reverb que estavam acostumados e sem as relações de fase que mudavam de show para show (e durante as apresentações). Optamos pelo acrílico Isoacustic 1,70m de altura por 0,60 de comprimento cada placa, num total de 6 placas.

acrílico bateria
(Foto Alice Venturi)

Um segundo exemplo é dos amplificadores de guitarra: é normal na estrada termos amplificadores de 100W ou até 120W; eles aguentam mais a porrada e as empresas de audio tendem a comprá-los pela confiança. Os tradicionais Fender Twin, Twin Reverb e Marshall JCM 900 têm todos muita potência e falantes 2×12” ou 4”12; o que acontece com esses amps? Para ter um resultado sonoro interessante os guitarristas têm que trabalhar com um volume muito alto neles, fato esse que aumenta consideravelmente o vazamento nos outros microfones, ocasionando os nossos problemas persistentes de fase. A guitarra vai parecer distante nos monitores dos músicos, muito alta pra quem estiver perto dela e muitas vezes você não terá controle sobre ela no PA, precisando aumentar o volume geral para cobrir o som da guitarra no palco ou apenas equilibrar o seu PA com o som do amplificador de guitarra no palco. Muitas vezes a única saída é “mutar” ela na mesa de PA.

Outro problema que este tipo de amplificador causa é em palcos pequenos ou palcos em concha. Nestes tipos de palco, mesmo que deslocados para tráz, para o canto ou para as laterais, o volume dos amplificadores ainda é muito grande. Os vazamentos atrapalham não só o PA mas as mixes de monitor porque a proximidade destes amps com alguns músicos causa mudanças na mix de monitor, estejam eles de fone ou caixas.

 

Quais as nossas opções para os problemas da guitarra?

lenine iso box
Iso Box (Foto Flora Pimentel)
  • Um primeiro passo interessante é deslocar os amplificadores de guitarra para fora da cena do palco, virando-os para fora do mesmo na direção oposta a do público; faz com que os amplificadores não estejam virados para os microfones no palco e para o público, o que ajuda muito a reduzir os problemas de fase e vazamentos. No entanto, novamente ficamos na mão do ambiente, esta solução não funciona bem em palcos formato concha que tendem a empurrar o som de volta pra dentro do palco.
  • Reduzir a potência dos amplificadores ajuda a resolver bastante a questão dos volumes altos no palco. Porque não precisamos mais de muito volume para ter um timbre de qualidade optando por amps de 15W, 20W, 25W ou 30W, no entanto, quem precisa contar com os amplificadores das empresas de audio e backline dificilmente encontrará estes amps com facilidade na estrada.
  • Comprar os amplificadores de guitarra para a Gig.
  • Fazer isobox para os falantes, substituindo as caixas de guitarra. (Isobox é uma caixa fechada com um falante e a microfonação dentro.)
setup guitarra lenine
clique para ampliar (Foto Flora Pimentel)

O que fizemos no Carbono:

Optamos pelas últimas três opções no Lenine. Sofríamos muito com a diferença de timbres dos amplificadores da estrada e o volume tinha que ser muito alto para um resultado sonoro interessante. Novamente por usarmos in ear, optamos por limpar completamente o palco e uniformizar o timbre. Compramos amplificadores Corsetti Alsher com 30 W de potência (Foto) e isobox J. Santos (Foto). As isobox contendo falantes Celestion Greenback. Estas medidas melhoraram o som consideravelmente, a guitarra do Jr Tostoi ficou muito mais clara tanto para o PA como para o monitor, os problemas recorrentes de fase pararam de existir e o timbre agora varia apenas com o gosto do guitarrista; o que dá a ele a liberdade artística necessária.

Conclusão:

A partir dos problemas identificados e cuidando do palco conseguimos diminuir consideravelmente os níveis de vazamento no geral, resultando em um aumento de qualidade grande em todos os instrumentos e uma liberdade muito grande pra mixar. O resultado do som do público para todos os artistas sai invariavelmente da mesa de PA e mesmo com vazamentos podemos ter um som lindo, mas certamente o excesso deles interfere na liberdade do técnico para mixar. A diminuição dos vazamentos me deu total liberdade para mixar, o que casou muito com o som POP e processado que pretendíamos com o Carbono. No monitor o efeito foi muito grande, proporcionando aos músicos conforto e uma padronização das mixagens. A limpeza os ajudou a se ouvir bem, a ouvir os outros ainda melhor e, ao contrário do que acontecia antes, as diferenças nas mixes de um show para outro não são radicais e apenas pontuais, variam artisticamente e não por dificuldades técnicas.

Sobre Henrique Vilhena

Trabalho com música desde 2006. Comecei a minha carreira nos estúdios da Biscoito Fino, trabalhando em grandes discos e produções, Maria Bethânia, Chico Buarque, Guinga, entre outros. Do início como estagiário passei a técnico em 2007 e começaram as gravações ao vivo, para videos e DVD's foram mais de 35 shows gravados até 2009, Biquini Cavadão, Jair Rodrigues, Luciana Melo, Jair Oliveira, Claudio Zoli, Oswaldo Montenegro, foram muitas gravações e mixagens. Em 2009 eu conheci o estúdio Tenda da Raposa e para minha felicidade passei a trabalhar lá, gravando e mixando, foram muitos anos trabalhando com muitos artistas da cena musical carioca dos mais variados estilos, entre uma gravação e outra comecei a fazer alguns shows e estudar muito sobre o assunto, passei a trabalhar com diversos artistas da cena independente do Rio de Janeiro, depois vieram Qinho, Hyldon e Bloco do Sargento Pimenta, até assumir um posto que me deixa honrado todos os dias de FOH do Lenine em 2012.

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